Dando sequência à série de artigos de Nikos A. Salingaros, David Brain, Andrés M. Duany, Michael W. Mehaffy e Ernesto Philibert-Petit sobre o estudo da habitação social na América Latina, nesta ocasião os autores questionam as alternativas econômicas para enfrentar os custos de construção.
- Desenho capaz de estabelecer 'pertencimento emocional'
- Antipadrões da habitação social na América Latina
- Habitação social na América Latina: geometria do controle
- Habitação social na América Latina: biofilia, conectividade e espiritualidade
- Aplicando o trabalho de Christopher Alexander na habitação social
- Estratégias de construção para habitação social na América Latina
- Exemplos de padrões e códigos geradores
- Estratégias de projeto para habitação social na América Latina
- Habitação social na América Latina: Sequência de desenho
- Conselhos práticos para o futuro da habitação social na América Latina
- A necessidade de materiais adaptáveis na habitação social latino-americana
12 - Habitação Social na América Latina: o foco na pequena escala
A estratégia de financiamento se concentra na pequena escala
A construção de habitação social não pode ser financiada apenas pelos residentes, desta maneira o governo e as entidades não-governamentais tem que sustentar os custos. Esta simples dependência traz a tona questões que afetam a forma da construção. Envolver os residentes na construção de suas casas reduzirá os desembolsos iniciais. No entanto, quanto maior o valor investido por uma agência externa, na habitação social, maior será o controle que a mesma vai querer ter sobre o produto final. Essa conseqüência natural leva inevitavelmente à subconsciente adoção de uma geometria de controle, nos moldes em que foi mostrado em seções anteriores.
Podemos oferecer alternativas:
1. As fontes de financiamento determinam agora a morfologia da habitação social. O governo central querendo construir da maneira mais eficiente, investe em uma abordagem altamente prescritiva, que sacrifica a complexidade da forma. Esta atitude não pode gerar um espaço urbano. Nós precisamos desenvolver um padrão flexível e baseado no desempenho para a morfologia. Nós também precisamos identificar fontes alternativas de financiamento para quebrar o monopólio prescritivo e assim, acabarmos com este anti-padrão.
2. Levantar fundos, a partir de várias fontes, para garantir casas que sejam acessíveis para os moradores das vizinhanças. Uma parceria-público-privada (PPP) é o caminho mais efetivo para usar a economia de mercado para gerar espaços urbanos, ao invés do monstro monolítico favorecido pela burocracia do governo.
3. O envolvimento com uma organização não governamental (ONG) irá impedir um governo central suspeito, de tentar sabotar o uso da linguagem de padrões na construção de um espaço urbano ou em transformar um projeto disfuncional em um espaço urbano.
Nós estamos tristemente conscientes sobre numerosos projetos de habitação social que não servem aos pobres, mas apenas oportunidades para os construtores e donos de terras de drenar dinheiro do governo. Se o governo subsidia aluguéis, então a oportunidade para a construção especulativa, que irá recuperar os investimentos iniciais na construção existe (como juros) dos próprios aluguéis. Nestes casos, a condição física das residências tem pouca importância. Além disso, a manutenção e a futura condição do tecido construído não é uma parte da equação dos lucros, pois não há expectativas de recobrar os investimentos feitos nas estruturas construídas. É esperado que as estruturas construídas sofrerão deterioração, então (porque não) encorajar construções não-permanentes desde o início. Claramente, aluguéis subsidiados podem trabalhar contra uma habitação social humana, contrariando a intenção da legislação original.
Freqüentemente, soluções sustentáveis, factíveis e possíveis de serem financiadas, são rejeitadas motivadas por excessiva avidez. Boas casas possíveis de serem compradas têm a desvantagem de que as margens de lucro são sempre pequenas (exceto se o mercado for manipulado para criar uma artificial escassez). Se o governo ou os promotores imobiliários não conseguem ver uma oportunidade de enriquecer no processo, eles decidem abandonar seu apoio para o projeto, mesmo que inicialmente eles tenham empenhado seu apoio. Você precisa de um lucro para encorajar a participação, mas este tem que ser equilibrado com o retorno por estar resolvendo um sério problema social.
O envolvimento com ONGs requer que as autoridades voltadas à habitação social construam não apenas PPP para a reurbanização, mas também para elaborar networks de parceiros locais. Todos se beneficiam do dinheiro alocado. No entanto, um dos pontos fracos aqui é que embora as agências sejam boas em conseguir provedores para os serviços sociais e os órgãos municipais para colaborar, elas não são tão boas em conseguir o engajamento dos ocupantes das terras.
A maioria dos provedores de serviço social ainda está operando de acordo com o velho modelo de provisão de serviço, ao invés do novo modelo emergente de soluções “baseadas na comunidade” para uma ampla gama de problemas. O velho modelo de serviço social engaja as pessoas em redes baseadas em suas patologias particulares (e há uma inteira indústria de serviços que depende daquilo que as pessoas necessitam). O novo modelo engaja as pessoas baseando-se nas suas habilidades e no que elas aportam à rede (e não no que elas “precisam”). Este novo modelo, assentado na idéia de desenvolvimento comunitário baseado-nos-recursos, tem tido ampla aplicação na saúde pública e de uma maneira geral, na organização das comunidades.
Maior não é melhor
Nós também enfrentamos um problema com as fontes de financiamento que desejam minimizar a incumbência administrativa concentrando-se nos trabalhos de larga escala. É muito mais fácil entregar dinheiro numa grande soma, do que controlar a mesma quantidade dividida e distribuída para muitos diferentes tomadores de empréstimos. Reduzir o número de transações toma precedência sobre os outros sistemas baseados em oferta e demanda. No entanto, é fundamental para as pessoas exatamente essa flexibilidade do micro-financiamento para terem a possibilidade de construir suas próprias casas. Restaurar um bairro requer um vasto número de pequenas intervenções. Um trabalho promissor tem sido feito para desenvolver um sistema efetivo de gerenciamento que permita esses micro-empréstimos (por exemplo, o Banco Grameen). Novamente, este é um modelo de financiamento muito mais sofisticado e avançado, pois é altamente diferenciado.
Conforme foi colocado anteriormente, nós mencionamos o obstáculo que significa ter essas imagens geométricas de controle incorporadas na mente. Elas são também amarradas a um profundo preconceito contra a pequena escala.
Um projeto governamental tem uma certa dificuldade para ser administrado, que independe do tamanho do projeto. Naturalmente, os burocratas desejam minimizar o número total de projetos, o que os leva a aprovar um número pequeno de grandes projetos. Por exemplo, em face à construção de um novo espaço urbano, eles querem construir o maior possível e todo ao mesmo tempo, para economizar os problemas burocráticos gerados por sua administração. Esta forma de agir contradiz nossas sugestões para a construção de um espaço urbano pedaço por pedaço, ao longo do tempo, com interrupções e idas e vindas entre os passos do projeto.
A sociedade contemporânea encontra-se em um momento paradoxal. Confrontada com desastres em diversas frentes inter-relacionados — exaustão de fontes de energia fósseis; invasão e destruição de terrenos agrícolas; cidades com crescimento fora de controle e cada vez mais disfuncionais —, a sociedade continua a implementar práticas urbanas que levaram à instalação destes problemas. Cidadãos com governos fracos tomam a urbanização em suas próprias mãos, resultando em situações como assentamentos auto-construídos que variam do aceitável ao desastroso. Como estes assentamentos caracterizam-se como ex- tragovernamentais (não oficiais), os governos não se preocupam em auxiliar no sentido do melhoramento desses esforços em qualquer direção, dedicando-se apenas em suprimi-los a qualquer custo.
Em países ou em regiões específicas com forte controle central, entretanto, o poder político funciona em consonância com os interesses financeiros na imposição de um tecido urbano insustentável. Somando-se a isso e agravando essa situação insalubre, a mídia global continua promovendo imagens que cultuam uma “modernidade” industrial estéril juntamente com seus falsos profetas que vendem edifícios “high-tech” extremamente onerosos e energívoros.
Dentre os vários mal-entendidos fundamentais que levam a práticas urbanas consideradas poleoctónicas (destruição da cidade), destaca-se a imagem utópica do “edifício novo capaz de cuidar de si mesmo”. Arquitetos de destaque recebem quantias exorbitantes para projetar edifícios não adaptativos, que então são construídos como símbolos de “modernidade” de um país ou cidade. Se estes são torres de apartamentos, escritórios de uma poderosa empresa ou instituição governamental, ou um museu de arte contemporânea, o projeto é vendido ao público como uma imagem que nunca será maculada. Custos de manutenção nunca são discutidos, nem sequer a questão fundamental sobre quem gostaria de manter um edifício estranho e mal-amado.
A questão crucial sobre a manutenção do tecido urbano é determinada pelo seguinte aspecto: se algo é amado por seus habitantes, eles investirão energia para mantê-lo; do contrário, eles o deixarão cair em decadência ou contribuirão ativamente para sua degradação física. Nossa abordagem para a construção da habitação social se sustenta neste entendimento, e nossas propostas tentam gerar um tecido urbano que “pertence” psicologicamente a seus usuários.
Versão anterior deste artigo foi apresentada por NAS como uma palestra no Congresso Ibero-Americano de Habitação Social, Florianópolis, Brasil, 2006. Publicado em URBE: Revista Brasileira de Gestão Urbana, Vol. 3 No. 1 (Janeiro/Junho 2011), páginas 125-136.
Tradução para Português: Lívia Salomão Piccinini.
Bibliografia
- Christopher Alexander, S. Ishikawa, M. Silverstein, M. Jacobson, I. Fiksdahl-King & S. Angel (1977) A Pattern Language (Oxford University Press, New York).
- Nikos A. Salingaros (2005, 2014) Principles of Urban Structure (Techne Press, Amsterdam, Holland, and Sustasis Press, Portland, Oregon).
- Nikos A. Salingaros (2017) Design Patterns and Living Architecture (Sustasis Press, Portland, Oregon). Ten essays originally published free online by Metropolis. https://www.metropolismag.com/uncategorized/living-patterns-as-tools-of-adaptive-design-2/